sábado, 3 de novembro de 2007

Indústria cria doença para vender cura.

Indústria cria doença para vender cura
18/4/2006
Onze estudos publicados em revista médica afirmam que laboratórios
exageram na incidência de distúrbios

Ian Sample

Você está no sofá depois de um dia de trabalho e deveria relaxar. Em
vez disso, sente um desejo irresistível de sacudir as pernas. Enquanto
isso, seus filhos fazem uma algazarra na sala e, para completar, sua
vida sexual está uma porcaria. É apenas uma cena cotidiana na vida de
muitas pessoas ou a combinação de três condições médicas
recém-identificadas que podem ser tratadas com uma simples pílula?

A segunda hipótese é a correta, de acordo com 11 artigos publicados
pelo respeitável Public Library of Science Medicine. Pesquisadores da
Grã-Bretanha, Estados Unidos e outros países argumentam que pessoas
saudáveis estão sendo transformadas em pacientes por companhias
farmacêuticas. Elas divulgam problemas mentais e sexuais e promovem
condições médicas pouco conhecidas para, enfim, revelarem os
medicamentos que, dizem elas, podem tratá-los.

Algumas das maiores e mais lucrativas farmacêuticas do mundo
apresentaram uma série de novas drogas para tratar a "síndrome das
pernas inquietas", o transtorno bipolar, o transtorno do déficit de
atenção com hiperatividade em crianças e a disfunção sexual feminina.
Os estudiosos alertam que novas doenças estão sendo definidas ou
exageradas por especialistas muitas vezes financiados pelos próprios
laboratórios.

Os artigos acusam a indústria da venda de doenças - prática na qual se
infla o mercado de uma droga convencendo as pessoas de que elas estão
doentes e precisam de tratamento médico.

O ÂMBITO DO ANORMAL

Segundo eles, campanhas publicitárias aumentam a venda de drogas dando
um enfoque médico a aspectos da vida normal (como a sexualidade),
retratando problemas moderados (a irritabilidade) como doenças graves
e sugerindo que condições comuns (como o impulso de mexer as pernas)
sejam doentias.

"A promoção de doenças explora os mais profundos medos atávicos do
sofrimento e da morte", diz a clínica-geral Iona Heath, do Caversham
Practice, em Londres, que contribuiu para a publicação. "É do
interesse das farmacêuticas expandir o âmbito do anormal, para que o
mercado dos tratamentos seja proporcionalmente ampliado."

No editorial, Ray Moynihan e David Henry afirmam: "Alianças informais
entre corporações farmacêuticas, empresas de relações públicas, grupos
de médicos e defensores de pacientes promovem essas idéias para o
público e os responsáveis por decisões políticas, muitas vezes usando
a grande mídia para impor uma certa visão sobre um problema de saúde
específico".

Num dos relatórios, Joel Lexchin, especialista em segurança de
medicamentos da Universidade de York, em Toronto, Canadá, alega que a
Pfizer, fabricante do Viagra, criou maneiras de "garantir que a droga
fosse vista como uma terapia legítima para quase todos os homens" e
"adotou medidas para ter certeza de que o Viagra não fosse relegado a
um nicho de tratamento de vítimas de disfunção erétil com causas
orgânicas, como diabete ou cirurgia de próstata".

A mensagem nos anúncios e no site da Pfizer, diz ele, "é que todos,
independentemente da idade, podem recorrer a uma pequena ajuda num
momento ou em outro". Em nota, a Pfizer disse que "só promove
medicamentos com receita para profissionais de saúde, sempre de acordo
com as indicações licenciadas" .

Em outro artigo, David Healy, diretor do Departamento de Medicina
Psicossocial da Universidade do País de Gales, em Bangor, descreve
como um comercial de TV da Lilly Pharmaceuticals incentivava as
pessoas a informar-se sobre transtornos de humor num site patrocinado
pela companhia.
"Esse anúncio vende o transtorno bipolar."

"Se uma empresa conseguir aumentar a consciência do público sobre uma
condição que pode ou não existir, uma pessoa poderá muito bem
acreditar que sofre da condição e procurar tratamento", diz Graham
Archard, vice-presidente do Colégio Real de Clínicos Gerais.

Segundo a Lilly Pharmaceuticals, "o transtorno bipolar é uma das
doenças psiquiátricas mais prejudiciais e graves". "O tratamento
apropriado deve ser decidido depois de o clínico ter avaliado
detalhadamente a condição da pessoa e discutido todas as opções de
tratamento."

A GlaxoSmithKline declarou: "Estima-se que entre 10% e 15% dos adultos
sofram da síndrome das pernas inquietas, mas essa é uma condição
médica muito pouco diagnosticada. Cerca de 3% dos adultos experimentam
sintomas, com aflição de moderada a intensa, duas a três vezes por
semana, e provavelmente se beneficiariam com o tratamento."

A Pfizer afirma que mais da metade dos homens com mais de 40 anos tem
dificuldades para ter ou manter ereção, número contestado por muitos
estudos.

LIMITES

No Brasil, os limites da propaganda de medicamentos, tanto para
médicos quanto consumidores, estão sendo reavaliados. A Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) prepara uma audiência
pública para apresentar as sugestões a uma proposta que torna mais
rígidos os limites à ação das empresas. A idéia é deixar mais claras
as relações entre eventos médicos e patrocínios, além de combater o
consumo exagerado de remédios.

COLABOROU SIMONE IWASSO
( www.ecodebate.com.br) Fonte - O Estado de S. Paulo - 17/04/2006

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