quinta-feira, 28 de maio de 2009

A fisiologia aviltada: a menstruação

A fisiologia aviltada: a menstruação



Nos dias de hoje não há problema em violar os ditames da fisiologia. O corpo deixou a muito tempo de ser venerado na sua integridade. Chamamos isto de modernidade, ou avanço tecnológico. Se há tais adjetivos seus sinônimos são automaticamente lembrados: benesse, vantagem, virtude etc.

Nesta ótica, se alguma menina vier pedir a um médico para a não menstruar por um certo tempo, ou mesmo indefinidamente, isto poderá soar com muita naturalidade. É uma possibilidade dos tempos modernos.

Antes de tudo é importante tentar entender qual seria a razão desta demanda. O corpo feminino tem se tornado o paraíso das intervenções, médicas ou não médicas, para torná-lo mais integrado a uma poderosa máquina de mídia lastreada nos mais sofisticados emblemas do capitalismo científico: hormônios de baixa dosagem, cirurgias plásticas, produtos dietéticos de toda a ordem, equipamentos estéticos, produtos de higiene, embelezamento etc.

E para manter tudo isto em harmonia com este novo estilo feminino há o arsenal químico dos antidepressivos da família do maravilhoso Prozac. Lógico: uma medicação para validar todas estas maravilhas do consumismo, já que a felicidade, infelizmente, não se compra em shoppings, nem vem inserida em injeções ou não fica nos pontos cirúrgicos para eternizar um sentimento de auto-estima ou plenitude de viver.

A menstruação não encontra espaço nos tempos modernos e parece até um ícone do primitivismo indesejado. Nos resíduos da revolução feminina, a inserção da mulher no universo masculino subverteu a natureza. O feminismo não tentou nada mais do que igualar a mulher ao homem, esquecendo de valorizar sua expressão mais peculiar: sua periodicidade mensal. A menstruação tem sido automaticamente associada a desconforto, falta de higiene, inconveniente para o sexo, tema vergonhoso ou até mesmo, vejam só: disperdício biológico.

Mas isto não foi sempre assim. Para se ter uma idéia esta visão atual é fruto de uma profunda ignorância cultural, fruto da tradicional repressão à mulher, imperativa nas culturas patriarcais, principalmente após a idade média. Nas Américas indígenas e outras culturas que tinham amplo contato com a mãe terra, a reverência aos ciclos naturais manteve o devido valor à menstruação e a complexidade de significados que ela retém. Entre estes significados temos a questão dos símbolos do sangue (vida, sacramento, energia etc.), da ciclicidade das energias naturais, da limpeza, da purificação e da longevidade. Interessante perceber que a mulher sempre viveu mais que o homem em todas as culturas, e assim viveu menstruando regularmente. Á medida que a mulher fica mais semelhante ao modelo masculino, mais se aproxima a sobrevida de ambos, pois ao mesmo tempo, ela vai tendo as mesmas enfermidades masculinas da maturidade, (pressão alta, isquemia cardíaca etc.)

O mundo tecnológico se sobrepõe à lógica da ecologia. Seria ecológico não menstruar? Num mundo firmemente misógino, a convergência ao padrão yang, a substituição do corpo baseado numa falta completa de compreensão da essência da grande mãe, construiu um cenário em que não há tolerância para qualquer padrão que diminua a capacidade produtiva dos indivíduos. Não há tempo para perder. Nem nos domingos podemos repousar. Temos que comprar, gastar, trabalhar, ver TV, ficar sem qualquer tempo de introspecção, e se esta necessidade “doente” ocorrer é porque nos falta um bom antidepressivo.

O período menstrual deveria levar a mulher a um momento mensal de retirada, de recolhimento. No entanto temos muita pressa. Se o corpo pede o que não pode ser atendido ele, naturalmente, está errado. A suavidade, a ternura, o cuidado com o ser são levianos, desnecessários. Se não há espaço para a fisiologia feminina, como as meninas vão aceitar seu corpo como ele é? De forma alguma. Vamos usar hormônios, controlar o peso, cuidar da aparência, restringir alimentos, malhar.

O conhecimento do mundo interior, da beleza que a existência brindou a mulher com seu organismo sofisticado, este aspecto do feminino não tem importância. A competição do mundo masculino é uma imposição de sobrevivência. Menstruar ficou sendo uma marca da fragilidade feminina. Uma honestidade que ficou sem espaço.

Choramos a incrível agressividade que tem comandado as relações humanas recentemente. Desmerecer nossa fisiologia pode ter sido o início desse processo. Redescobrir nossa ecologia essencial pode ser a porta de nossa ressurreição.

(José Carlos Brasil Peixoto)

Vide o livro: “Seu sangue é ouro” de Lara Owen, editora Rosa dos Tempos)

fonte:http://www.umaoutravisao.com.br/artigos/hormonal/menstruacao.html

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