terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Vinagre, o vinho ácido

Vinagre, o vinho ácido Escrito por Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti

Clara de ovo e vinagre. Com esses ingredientes as mulheres de Atenas preparavam cremes para aveludar a pele. Não ficavam só nisso, na busca pela beleza terrena. Pintavam lábios com açafrão. Escureciam cílios com fuligem. Clareavam dentes com sálvia. Vaporizavam o corpo, ao sair do banho, com vinagre aromático. Não por acaso a palavra perfume significa, literalmente, “pela fumaça” (per fumum). Além de perfumar essa vaporização, segundo se acreditava, também livrava seus usuários dos maus espíritos. Para essa lenda contribuindo o fato provado de que nenhum perfumista tenha nunca sido vítima de pestes. Sem contar que, durante estas pestes, cadáveres eram saqueados por ladrões que borrifavam seus corpos com vinagre. Até virou perfume, em Marselha, conhecido (bem a propósito) como Quatro Ladrões – tendo em sua fórmula, além de vinagre, também essências de plantas aromáticas e alho.

Vinagre, o vinus acrem, nasceu junto com o vinho. Primeiro foi remédio. Hipócrates (400 a.C.), pai da Medicina, receitava a seus pacientes 2 colheres de sopa de vinagre depois das refeições. Para ajudar na digestão e evitar intoxicações. Era bom também para curar feridas, queimaduras e picadas de abelha. Ainda hoje é usado para esses fins. Depois foi bebida. Como a “Posca” romana – uma esquisita mistura de água, vinagre e ovos. Esse hábito sobrevive, ainda hoje, em alguns poucos lugares – como no Alentejo, onde refrescos de vinagre continuam fazendo a festa. Quando Jesus disse “tenho sede”, um dos soldados molhou esponja em vinagre, colocou-a na ponta de uma vara e alcançou a sua boca. “Por alimento me deram fel e na minha sede me deram de beber vinagre” (Salmos- 68, 22). “Então Jesus, depois de ter tomado o vinagre, disse: tudo está consumado. E, inclinando a cabeça, entregou o espírito” (Jo - 19, 30). Dando sua vida para redimir nossos pecados. Mas o prestígio do vinagre aumentou mesmo só bem depois, como conservante de alimentos – que frutas, legumes e peixes, quando submersos nele, conservam-se por muito tempo. E, sobretudo, quando começou a ser usado como condimento, para realçar os sabores.

Vinho se transformava em vinagre. Isso toda gente sabia. Só não se conseguia explicar como. Durante muito tempo se acreditou fosse produto de “geração espontânea”. O vinho, em certas situações, fermentava e pronto. Assim foi, até quando o famoso cientista Louis Pasteur, em meio aos estudos para criar uma vacina contra a raiva, acabou desvendando o mistério. Compreendendo que aquela transformação decorria de uma simples bactéria – a mycoderma acéti, que convertia vinho em ácido acético. Depois Pasteur inventou o processo que acabou ganhando seu próprio nome – a pasteurização. Que consistia em elevar a temperatura de alguns alimentos, como leite e cerveja, livrando-os de micróbios, sem lhes alterar gosto e outras propriedades.

Fazer um bom vinagre não é tarefa fácil. Requer absoluto controle de leveduras, bactérias, clima e tempo de armazenamento. Em uma primeira etapa, leveduras transformam açúcares naturais em álcool (fermentação alcoólica). Depois, as bactérias transformam esse álcool em ácido acético (fermentação ácida). Durando todo esse processo, em média, quatro meses. Cada país tem legislação com regras próprias de fabricação. No Brasil, por exemplo, só é considerado vinagre produto que tenha acidez mínima de 4%. Melhor vinagre é o de vinho, claro. De vinho branco, usado para temperar saladas, picles, frutos do mar, peixes, aves, carneiro e molhos (escabeche, holandês e vinagrete). Ou tinto, mais forte, apenas para temperar saladas, carnes vermelhas, porco, fígado, ovos e molho de pimenta. Valendo lembrar que “vinagreira” é onde se guarda o vinagre, enquanto “vinagreiro” é aquele que fabrica o vinagre. Na França de Carlos VI (século 14), era grande a importância desses fabricantes de vinagre de vinho, que se agrupavam em confrarias para influir na vida política e social do país.

Mas esse vinagre pode vir de qualquer suco que contenha açúcar (uva, maçã, morango, mel) ou amido (batata, cevada, milho, arroz). No fundo, cada lugar acaba utilizando a matéria-prima que tenha disponível. EUA, cidra de maçã; Inglaterra, malte de cevada; Japão e China, arroz, delicado e doce, muito usado no sushi. Em algumas localidades do Mediterrâneo, vinagres aromatizados com ervas (endro, alecrim, estragão, manjerona, erva-cidreira, menta, zimbro, segurelha, tomilho) ou frutas (framboesa, cereja e todas as cítricas). Portugal e Brasil usam mais os de vinho, branco ou tinto. Embora haja também um vinagre de sabor forte e adocicado, bem nosso, feito da cana-de-açúcar. Na Itália, destaque para o requintado vinagre balsâmico, escuro e grosso. Feito de uvas brancas Trebbiano, muito maduras, envelhecido em barris de madeira por, no mínimo, 12 anos. Diz-se balsâmico porque, além de saboroso, tem efeito tranqüilizante. Os melhores vêm de Modena e Reggio, na região de Bolonha. Por isso o verdadeiro vinagre balsâmico tem, no rótulo, a inscrição API RE (produzido em Reggio) ou API MO (produzido em Modena). Este último trazendo, ainda, a inscrição Aceto Balsâmico Tradizionale de Modena.
Esse vinagre chegou ao Brasil com Cabral. “A bordo os homens tinham rações iguais: 15 kg de carne salgada por mês, cebola, vinagre, azeite, biscoito. Para beber, uma canada (1,4 litro) diária de vinho e uma canada de água”, assim escreveu Eduardo Bueno (A Viagem do Descobrimento). Não havia caravela que chegasse por aqui sem trazer “vinagre, azeitonas, queijos, passas, embutidos, conservas e outras coisas de comer”, observou padre Anchieta. Mas era iguaria só para portugueses. Que índios e negros, durante muito tempo mais, continuaram por não lhe dar importância. Só pouco a pouco ganhando o gosto de toda gente. E não só na culinária. Sendo hoje também usado como amaciante de roupa ou germicida; na limpeza de tapetes e de cabelos oleosos; na preparação de picles e para amenizar odores fortes (cebola e repolho). Se fosse árvore, bem que dele se poderia dizer ser “pau para toda obra”. Um sabor de mil e uma utilidades.

Receita:
SALADA DE BETERRABA

INGREDIENTES:
1 kg de beterraba (ligeiramente cozida e ralada em ralo grosso), 2 maçãs raladas, folhas de alface americana e francesa, ½ xícara de passa.

MOLHO:
4 colheres de sopa de azeite, 2 colheres de sopa de vinagre, 1 colher de chá de mostarda, 1 coher de chá de açúcar (ou adoçante), sal e pimenta

PREPARO:
Misture beterraba, maçã e passa. Misture todos os ingredientes do molho e reserve. Arrume as alfaces e, no centro do prato, a beterraba. Na hora de servir, regue com o molho.
Fonte:http://www.continentemulticultural.com.br

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